terça-feira, 12 de março de 2013

Texto aleatório: Astronauta


Eu estava deitado na parte de cima de um beliche de um hotel qualquer da Califórnia com os braços cruzados, escutava David balbuciar coisas sem sentido e sobre como eram carros no seu tempo de infância. David era meu velho companheiro, ele tinha 53 anos, mas isso não me impedia de ser seu amigo, ele às vezes falava de assuntos legais, mas como um bom matemático, às vezes tinha assuntos bem irritantes.


Eu começava a cochilar quando recebi um telefonema, olhei com pesar e preguiça para o celular, mas acordei de mim mesmo quando vi que era de Kad Manson, o pesquisador da missão da A66 ARRET. O desespero tomou conta de mim e atendi o aparelho.
— Manson?
— Noah, te quero aqui amanhã, você irá pra lua no A66 ARRET. — disse Kad com uma mistura de tristeza e confusão.
— Mas e o astronauta brasileiro, o que aconteceu? — respondi em desespero.
— Suicídio. Você é o que mais sabe da missão e o mais experiente. — com a última palavra, desligou.
Olhei atônito para David, que me observava com um olhar confuso.
— Quem era? — disse ele.
— Kad Manson. Irei à lua na A66 ARRET amanhã.
Percebi que ele ia falar algo, mas acabou desistindo. Deitei novamente e adormeci.
Aquela noite havia sido diferente das outras, fui transportado de volta à minha infância, com um antigo aquário de peixes que havia achado no sótão da casa de minha avó, fingindo ser um astronauta, mal sabia eu que meu sonho seria mesmo realizado. Eu brincava pela sala de estar quando minha mãe me gritou.
— Noah!
— Oi mãe? — eu respondi.
Noah, 29 anos, missão à lua, nave A66 ARRET, ano de 2048.
Noah, 29 anos, missão à lua, nave A66 ARRET, ano de 2048.
Noah, 29 anos, missão à lua, nave A66 ARRET, ano de 2048.
Ela repetia apenas isso sempre, acordei enfim. Olhei no relógio e vi que eram 10h da manhã, me levantei, fiz todo o necessário e saí com a velha camisa xadrez de sempre.
Chegando à base vi vários olhares fixados em mim e pessoas me chamando por todo lado, à partir daí tudo ocorreu tão rápido que a última coisa que me lembro é de estar dentro da A66 ARRET, em voo.
— Noah? — Escutei a voz de Manson do outro lado.
— Sim? — Respondi
— Sei que está meio atônito com isso tudo, mas a nave vai pousar agora mesmo. — ele disse.
Vesti a roupa apropriada e esperei o pouso, seguindo todos os pedidos de Manson, saí da nave.
— Noah, 29 anos, missão à lua, nave A66 ARRET, ano de 2048. — disse ele.
Assustei-me com a frase e lembrei-me imediatamente de minha mãe, tentei responder à ele, mas ele falou algo antes.
— Repito. Noah, 29 an... Meu santo Cristo, o que é isso? SOCORRO! PUTA MER...
A conexão havia sido interrompida. Olhei para o lado da Terra e vi apenas um ponto vermelho, uma explosão, o tão famoso “fim do mundo” citado todo ano na Terra. Pensei em David, Manson e todas as outras pessoas que eu conhecia mortos, sem explicação.
Talvez eu seja o único humano vivo, ou talvez eu e mais poucos astronautas por aí, tendo a mesma visão que eu. Aqui estou eu, relembrando todos os fatos acontecidos no meu dia lento e estranho. Aqui estou eu, pensando em minha vida, que havia chegado ao fim. Ouvia tantas frases clichês sobre aproveitar a vida e nunca levei a sério. Agora aqui estou eu, pensando como devia ter vivido melhor, tido uma vida boa, e não uma vida rotineira, dessa vez o acaso não iria me proteger.
Agora o fim chegou e me vi cantando uma música antiga, daquelas que só eu conhecia: “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer, devia ter...”
Abri o capacete e perdi o ar por completo, perdi todos meus amigos para o fim, estou perdido no espaço, não tem outra solução, apenas a morte. A agonia tomou conta de mim, percebo agora o quão irritante é não respirar, o quão ruim é a máquina que é o ser humano ficar sem vida, tentando respirar mesmo sabendo que não vou conseguir, nunca mais. A dor, a raiva, a agonia e todas as outras emoções ruins que você possa imaginar eu estou sentindo agora, sinto meu corpo parar de funcionar com um pedido de ajuda e um socorro.
Talvez tenha sido mais fácil pra quem estava lá no planeta Terra, mas talvez eu também tenha merecido isso tudo, talvez eu devesse estar morto há muito tempo por ter uma vida rotineira e chata, agora não sou mais um “Zé”, um alguém sem personalidade, agora eu já não sou mais ninguém.


Por: m. pierre

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